Publicado na Exame, 16/06/21

Por Flávio Machado, sócio do escritório Filhorini Advogados Associados

Contrato eletrônico é aquele celebrado com a mediação da Internet, no qual a vinculação dos contratantes dá-se por intermédio de computadores conectados em rede.

Essa é uma definição ampla que comporta muitas formas de organização e de trabalho, as quais permitem diferentes graus de negociação e resultam em contratos válidos, vinculantes, podendo ter seu cumprimento exigido perante o Poder Judiciário.

No Direito, temos muitas formas e classificações de contratos eletrônicos, cujas designações fogem ao objetivo deste artigo. No nível menos automatizado, há desde contratos celebrados a partir de trocas de e-mails, passando por pedidos colocados em sítios que expõem produtos à venda na Internet, ordens de compra em sistemas compartilhados, até a sofisticação dos chamados smart contracts, contratos inteligentes, que são contratos elaborados em forma de programas de computador para serem “adjudicados” (ato de decretar judicialmente que determinada coisa pertence a alguém) por sistemas informatizados, em lugar das tradicionais cláusulas destinadas à interpretação por humanos.

Certamente, entre tantos graus de automatização e formas de trabalho, deve haver alguma que seja mais apropriada às características do seu negócio, que contemple o tipo de produto ou serviço, os valores envolvidos e a forma como a negociação e a venda ocorrem, entre outros fatores importantes.

Muitas vezes, aquele contrato aperfeiçoado por intermédio de sucessivos e-mails, em que a especificação do objeto e a negociação do preço são paulatina e cuidadosamente desenhados têm, frequentemente, até mesmo mais estabilidade que outros, justamente em razão de haver sido construído dessa maneira.

Para eleger uma forma de trabalho, talvez seja informativo valer-se de um exemplo: alguém que vende móveis projetados e construídos sob medida, em que a atividade de consultoria é importante, pode, hipoteticamente, ter mais sucesso com contrato eletrônico aperfeiçoado a partir de e-mails; enquanto que um empresário que venda móveis pré-fabricados para montagem pelo próprio cliente, pode ter melhores chances em um modelo mais automatizado em site próprio na internet, como é o caso de lojas como a Tok & Stok e a Ikea, famosa rede sueca de mega lojas.

Esse exemplo provavelmente contém a mais importante recomendação neste artigo: antes de fazer qualquer movimento na direção de mover seu negócio para a Internet, a primeira providência é uma reflexão profunda e cuidadosa do que seja realmente o “seu produto” e como se dá a sua venda, tendo em vista que esta passará a ser não presencial, ou seja, nem os produtos expostos terão manuseio direto, nem a venda tem a intervenção direta de um vendedor-consultor.

O contrato eletrônico não é um novo tipo contratual regulado por uma nova lei (embora alguns países, como na Comunidade Europeia, haja regulamentação específica). Na verdade, a legislação que os rege é a mesma aplicável aos contratos ordinários e, para que seja válido e exigível, deve preencher os mesmos requisitos.

O contrato eletrônico deve também observar a liberdade das formas e a boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil). A única diferenciação dos demais contratos se dá pela circunstância da sua composição, que fragiliza a posição do adquirente, que não está vendo e nem tocando o produto adquirido, o que ajuda a atrair mais atenção nas relações consumeristas e algumas proteções específicas decorrentes do Código de Defesa do Consumidor.

Questões importantíssimas como proteção de dados (sobretudo em adequação à LGPD) e os termos e condições de uso, o que incluem questões como faturamento, recebimento, taxas, tributos, despesas e garantias, podem vir a afetar sua relação com os clientes, o fisco e até mesmo o seu fluxo de caixa, se não devidamente investigadas com antecedência. Até mesmo a existência de reclamações na plataforma e em sites especializados podem vir a marcar indelevelmente a empresa, ao menos, por um bom tempo.

Por essa razão, investigar as regras em documentos, a exemplo dos termos e condições gerais de uso do site, as regras de privacidade, entre outros, em relação à sua forma de fazer negócio (como sugerimos anteriormente) são imprescindíveis, já que podem diferir substancialmente desta.

É importante ter em mente que seu modo de trabalho deve ser adequado ao seu produto. Por exemplo, no caso de venda de objetos de valores altos como joias, ou de substâncias controladas, como armas, ácido sulfúrico e glicerina, é recomendável o uso de sistemas com controles de acesso mais rígidos, com a utilização de identificação, senhas, pré-cadastro verificado e até mesmo a utilização de tokens, biometria e assinaturas eletrônicas.

Por fim, é fundamental, também, estar ciente que um contrato eletrônico, que tenha sido validamente celebrado, pode ser usado, na prática, da mesma forma que um contrato tradicional.