Publicado na Exame.com, 22/08/21

Por Flávio Machado, sócio do escritório Filhorini Advogados Associados

 

Na década de 1990 um boato do “hambúrguer de minhoca” viralizou, com grandes prejuízos financeiros e de imagem para uma rede de restaurantes. Hoje a estória é praticamente folclore, porém, naquela época foi uma grande dor de cabeça para aquela empresa.

Ataques como esse não são novidade. Contudo, tornaram-se mais frequentes e passaram a atingir também empresas menores e seus acionistas, com a migração dos foros de notícias e de relacionamento para a internet. Quase sempre feitos de forma velada, têm como causa desde clientes insatisfeitos, parceiros que se sentiram preteridos e até outras empresas incomodadas com a concorrência.

Como agir quando uma empresa é alvo de fake news?

Muitas vezes, a primeira reação dos atingidos, principalmente em empresas menores e com políticas menos estruturadas, dá-se de forma impulsiva, imediata e irrefletida: é feita no mesmo foro, como um “bate-boca” que tem toda a internet por plateia. Não raras vezes, esse ato irrefletido traduz-se em um grande erro, com custos morais e financeiros.

Nesses casos, o primeiro conselho é não revidar, lembrando sempre que a internet tem memória longa e o que se escreve pode ficar registrado em algum lugar. Com o tempo, as agressões verbais escritas vão se desprendendo do contexto com o arrefecimento do calor momentâneo da disputa e passam a ser vistas como ameaças e ofensas desproporcionais. Dessa forma, o que seria uma reação justa pode incendiar a crítica e “viralizar”, agravando a crise e servindo de munição contra quem na verdade é a própria vítima.

Depois de se conter, a medida mais urgente é documentar todas as evidências e se inteirar o máximo possível dos fatos. Sempre que possível, deve-se também procurar contatar — de forma contida e profissional — todos os envolvidos para aferir, desde logo e tanto quanto possível, a causa e a procedência dos fatos e verificar se têm alguma base, ainda que pequena ou remota.

A coleta de evidências deve ser meticulosa, desde logo a data e hora do ataque, seu teor, autoria e o meio utilizado (site ou plataforma), lembrando sempre que esses registros podem ser removidos e o ataque repetido no futuro.

Para tanto, recomenda-se fazer o “print” da tela e, nos casos mais graves, comparecer a um cartório ou tabelião, para registrar o fato em uma ata notarial. Isso é muito importante para pré-constituir uma prova que pode ser utilizada em juízo se necessário. Esse agente tem fé pública, vai realizar o acesso e certificar que o ataque realmente ocorreu e suas circunstâncias.

Esse material poderá ser utilizado apenas para monitoramento, no primeiro momento, e para medidas mais enérgicas se for verificado posteriormente que houve repercussões mais graves ou que sobreveio a reincidência.

De posse de todas essas informações, cumpre verificar se o caso pode ser tratado e revertido pelas vias comuns de relações públicas. Lembre-se, um consumidor insatisfeito pode ter alguma razão, mesmo que mínima, ainda que o meio por ele utilizado possa ter sido inadequado e mesmo desproporcional. Nesses casos, o melhor é tratar o assunto fora da internet e, se for possível e o caso recomendar, registrar naquele mesmo foro que o assunto foi resolvido, guardando todos os registros da transação como precaução.

Cuidados com o efeito Streisand

Se, ao contrário, o ataque se tratar de caso que não pode ser resolvido por meio de relações públicas, como imputações inverídicas de natureza criminal, crimes contra a honra e crimes concorrenciais, recomenda-se desde logo o acompanhamento por um advogado especializado para coordenar uma resposta nas esferas cível e penal.

É importante nesses casos avaliar o potencial do dano do conteúdo postado e o alcance do meio empregado, pois a resposta pode dar ao ataque dimensão que jamais teria, agravando a crise. Esse fenômeno é conhecido como “efeito Streisand” porque a celebridade americana Barbra Streisand tentou remover judicialmente a publicação de uma foto de sua residência para proteger sua privacidade, e o caso se tornou uma discussão nacional, produzindo resultado inverso do pretendido.

Por vezes, os ataques revelam-se recorrentes. Eles são reiterados e têm lugar em vários canais, não raramente, com o perpetrador se valendo de um grupo de pessoas e até de perfis falsos. Em tais casos, esse comportamento caracteriza o que em direito penal é conhecido como animus nocendi, ou seja, em que há no agente a intenção inequívoca de causar o dano e, possivelmente, até de conseguir uma vantagem pessoal com o resultado dos ataques.

Tais casos são extremos e não devem ser tratados em uma só esfera. Eles requerem uma análise estratégica e ações em vários níveis, possivelmente com o emprego de medidas judiciais cautelares e atuação junto a provedores de acesso e plataformas para preservação de provas, remoção de conteúdo e prevenção de novos ataques.

Nesse contexto agravado, é importante ter em mente que a lei oferece recursos para a defesa. O Marco Civil da Internet fornece meios e recursos para a identificação dos usuários da internet que perpetram tais ataques sempre que houver evidências sólidas de ilícito.

Isso significa que mesmo as pessoas que se escondem atrás de perfis anônimos ou pseudônimos podem ser identificadas por meio de ordens judiciais que determinem que empresas da telefonia, provedores de acesso e plataformas identifiquem os usuários que realizaram as ofensas e os demais partícipes.

A partir disso, a discussão jurídica se torna mais assemelhada às disputas judiciais “tradicionais” envolvendo ilícitos concorrenciais e crimes contra a honra, inclusive, reparações por danos materiais, danos morais e, também, a obrigação de retratações públicas.

Por essas razões, nossa recomendação, para aquele que se julgar ofendido por ataques perpetrados na internet, é evitar retrucar no calor do momento. Ao invés disso, concentre-se em documentar e investigar o evento. Busque o auxílio de um advogado especializado, não apenas em Direito Digital e as questões relacionadas ao Marco da Internet, de direito concorrencial e de imagem. Pois, muitas vezes, uma atitude irrefletida ou inadequada pode agravar o caso ou produzir efeitos inesperados.