Publicado na Exame.com, 09/07/21.

Por Flávio Machado, sócio do escritório Filhorini Advogados Associados

O stalking é o crime de perseguição a uma pessoa específica. É uma conduta ilícita, muitas vezes, obsessiva, que ganhou nova forma, possibilidade e dimensão na era digital. O tema é amplo e tem desdobramentos na liberdade pessoal da vítima, consequências psicológicas e, potencialmente, impactos econômicos e de imagem sérios para a empresa que se veja envolvida.

Essa conduta, conhecida em filmes policiais, tornou-se crime também no Brasil, punido com pena de reclusão de 6 meses a 2 anos e multa, que pode ser dobrada se cometido contra mulheres, em razão de serem mulheres, e sem prejuízo das penas correspondentes a outras violências eventualmente praticadas de forma associada.

Uma empresa pode ser condenada por stalking?

A pessoa jurídica, ela própria, a princípio, não pode perpetrar esse tipo penal pois lhe falta o elemento intencional, qual seja, o dolo. Contudo, uma empresa pode responder patrimonialmente se os danos causados por seus sócios, empregados, contratados e mandatários, a qualquer título, perpetrarem o crime, valendo-se dessa condição. É o que se conhece por culpa objetiva.

Os ambientes de convivência coletiva prolongada, como aqueles de trabalho, estudo, cultos e academias que, para lograr seus fins requerem uma maior proximidade entre seus frequentadores, com a minoração das barreiras sociais que imporiam um maior distanciamento no ambiente externo, são locais que reúnem condições para a prática do crime de perseguição (stalking). Tanto mais se, nesses locais, o perpetrador encontra disponíveis facilidades que não acharia facilmente em outros lugares, como o acesso facilitado à vítima em razão de suas atividades no local e aos seus dados pessoais, como endereço, meios de contato, histórico e agenda.

Acredita-se não ser coincidência que o crime de perseguição ocorra com maior frequência junto com outros crimes, como a falsa identidade, invasão de dispositivo informático, o revenge porn, o descumprimento de medida protetiva de urgência e até mesmo o assédio sexual, nos ambientes em que a atenção à fiscalização e monitoramento com relação à conduta de pessoas e acesso aos recursos da entidade é menor.

Esse fato tende a agravar a exposição de qualquer pessoa jurídica que mantenha tais locais de convivência, não apenas quanto aos danos materiais e morais às vítimas, porém, principalmente, quanto aos danos à sua própria imagem e reputação, pois essa concorrência criminosa associa o crime de perseguição a outros abusos, muitas vezes de caráter sexual e social, inferindo negligência culposa ou condescendência criminosa da entidade.

Nesse contexto, uma tal entidade que deixe de cumprir disposições regulatórias como, por exemplo, regulações trabalhistas ou a violação de obrigações fiduciárias de sigilo e confidencialidade da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), permitindo, ainda que involuntariamente, o acesso indevido de pessoas não autorizadas a dados pessoais de sua vítima, comete duas infrações.

O que caracteriza o stalking

A diferenciação entre uma conduta regular e aquela criminalizada pela nova lei, talvez possa começar com a compreensão do significado do verbo em inglês stalk, que é aquela ação de perseguir incessantemente a caça, como fazem o caçador e o predador. É uma imagem bem forte. As causas estão associadas a intentos criminosos que variam desde crimes sexuais, violência doméstica, desejo de prejudicar alguém por inveja, vingança e até crimes de ódio como racismo, machismo e homofobia, os quais, não raramente, são perpetrados disfarçados de simples “brincadeiras” ou a pretexto de críticas com base em uma moral enviesada.

O crime de perseguição é descrito no novo artigo 147-A do Código Penal como “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.

Esse intento é obtido de diversas formas: ligações telefônicas, mensagens SMS, aplicativo ou e-mail, publicações de fatos ou boatos, envio de presentes injustificados, perseguir a vítima nos lugares que frequenta, inclusive, o cyberstalking, que é a perseguição realizada por intermédio da internet, normalmente por meio de redes sociais, em que o perseguidor antecipa os movimentos de sua vítima e procura se imiscuir em sua vida privada, sem ser convidado, forçando sua entrada.

Para caracterizar o crime, é necessário que isso seja feito de forma intencional (dolosa) e repetida, caracterizando habitualidade, por meio da reiteração de atos que incutam algum temor na vítima, causando efeito que restrinja a sua liberdade ou ataque a sua privacidade ou reputação, causando danos à sua integridade física, por exemplo, medo por sua segurança ou de pessoas próximas, ou psicológica e emocional.

É preciso que os meios utilizados pelo criminoso sejam hábeis dentro do binômio intensidade e habitualidade para causar temor, ansiedade e angústia, a ponto de não apenas incomodar a vítima, mas subjugá-la, deixando-a sobre seu controle, pois se trata de crime formal que somente se consuma com o resultado.

O stalking degrada as condições de vida da vítima e, como resultado, afeta a formação de sua vontade, suas decisões e comportamentos, levando-a a modificar seus hábitos, horários, trajetos, número de telefone, e-mail e até mesmo local de residência e trabalho. Com isso, perturba outras liberdades garantidas pela constituição que não apenas a livre locomoção, como a religiosa, a profissional e a privacidade.

Como combater o stalking nas empresas

É importante ter em mente que o combate ao stalking está previsto na legislação de vários países e, também, na de órgãos internacionais, inclusive, de combate à violência contra a mulher e regulações laborais, pois, a exemplo do assédio sexual, do qual se distingue, também pode afetar o ambiente de trabalho, de modo que não se trata de um “modismo” local, mas de um fenômeno que assola o mundo moderno de forma pandêmica.

Combate ao stalking em ambientes de convivência como é o caso de empresas, associações e igrejas, deve ser feito de forma ativa e ostensiva. Sob o aspecto institucional e de pessoal, sugere-se a inclusão de regras de conduta claras, inclusive nos contratos de trabalho e regras associativas, que, terminantemente, proíbam condutas assemelhadas, que devem ser também incluídas, no regulamento interno.

Ainda sob o aspecto de pessoal, devem ser realizados periodicamente treinamentos e campanhas informativas, que identifiquem condutas parecidas e como proceder, deixando claro que a entidade não compactua com estas. Tais regras devem estar afixadas em quadros de aviso, inclusive, a divulgação dos canais sigilosos para encaminhamento de denúncias.

Paralelamente, é recomendável a fiscalização e monitoração do uso de recursos da entidade, com a proibição que qualquer de seus recursos seja utilizado para qualquer finalidade outra que não a realização do objeto social, o que inclui, naturalmente, o alinhamento da entidade com a lei, regulamentos e as melhores práticas, conforme é o caso da certificação com a LGPD.